A língua viaja vagarosa o mapa da memória do teu corpo como se o lugar do sagrado fosse a fenda lúcida do desejo, o refúgio das mãos em busca da luz cintilante das estrelas. Quando os dedos de tão leves na seda das coxas são uma trégua na noite dos prodígios, uma pausa na água das nascentes, uma lua vaga na desordem dos lençóis, então, sabes, o tempo não é tempo, é o arfar secreto do silêncio, um frémito de pássaros em suspenso, o mistério da brisa suave do levante. E a vaga navega lenta, e o mar é tanto, e o olhar tão limpo que o azul exultante da palavra é como a sílaba breve do despertar da pele no segredo do instante.
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
em santiago, no campo das estrelas
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
em amesterdão, na rua nos
sábado, 8 de outubro de 2011
em amesterdão, na praça dam
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
numa cidade de passagem, a caligrafia do chão
sexta-feira, 30 de setembro de 2011
em viagem, no esplendor dos dias
parti sem destino em busca de um lugar incerto porventura habitado por sortilégios, prodígios e segredos, cujos súbitos fulgores pudessem libertar ainda o rosto fatigado do compasso inexorável do tempo. tal como o marinheiro errante tocado pela graça do mar e levado pela asa variável do vento, ousei sulcar o azul vibrante levando comigo o saber do viajante antigo de olhos maravilhados de tanto amar a perenidade dos instantes. encontrei não sei se pedras de água se seixos rolados através das idades do sol incidente, pouco importa, pois eram praias de areias tão finas com marcas de passos tão presentes que a água se fazia pedra, a pedra, brisa e os passos por certo seriam marcas de amantes clandestinos no lume deslumbrado das manhãs. mergulhei na aventura das águas profundas e em braçadas largas fui tão fundo quanto a vertigem do olhar que antecede o espanto das dunas quando a onda se desfaz em espuma e no horizonte se perfilam as cores pacíficas do corpo apaziguado do entardecer. tendo a lua por companhia e vénus um tudo nada mais distante, naveguei sem bússola nem quadrante em noites de palavras proíbidas, sendo o dito o silêncio do brilho das estrelas e o silêncio a pele dos meus dias correndo ao encontro de mim mesmo. no rumor das marés, nas madrugadas anunciadas, nas largas enseadas entre línguas de areia e delicadas hastes de plantas bravias ondulando ao sabor do vento, na ampla curva do horizonte, no limite do olhar e no fundo do dizer-me, sob o voo de uma gaivota suspensa no esplendor dos dias, soube, assim, no encontro do outro em mim, o sentido do saber antigo das praias viajantes onde os deuses guardam em segredo o mistério da plenitude dos instantes.
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Disseste: hoje sinto-me cinzenta
e logo inventei
uma nesga de sol
como se investido de plenos poderes permitido me fosse
redimir o silêncio das árvores despidas
e convocar a presença dos deuses,
esses que emergem das águas profundas
para apaziguar margens de sombras impuras
e operar a metamorfose do cinza em cor.
sábado, 24 de setembro de 2011
em viagem, diante do mar
terça-feira, 20 de setembro de 2011
Aurora
para a minha filha
olá aurora, vou contar-te um segredo. tu és como a lua redondinha cheia dos gatos dos teus desenhos num céu cheio de estrelas e eu vejo-te andar leve como quem dança por entre bolas de sabão coloridas à descoberta da casa das surpresas. tantas coisas me intrigam na maravilha desse teu jeito natural de soltar peixes voadores dos dedos do mar imenso dos teus sonhos e, por isso, quando me pegas na mão eu sei que me levas para um lugar onde a noite se esquece de anoitecer, onde os anjos ficam suspensos de te ver passar embalada na brisa do tempo e tu, então, perante o espanto do silêncio dos meus olhos dir-me-ás, apenas, de olhos limpos, olha pai, vê o mundo a acontecer. por isso te chamas aurora. é esse o meu segredo. hoje fazes dez anos, mas isso já tu sabias.
domingo, 18 de setembro de 2011
em viagem, viajante de mim mesmo
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
em dublin, na cinza da noite
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
em viagem, na lâmina do tempo
deixo o hotel de circunstância por uma porta lateral. azul é o céu onde por vezes pássaros de cores improváveis me levam em voo vertical ascendente. vou sem destino. o automóvel desliza pela manhã junto ao mar. no convés de um navio de vidro transparente, ao som de músicos em traje de rigor, atores de semblante grave conversam como se mudar de personagem fosse questão primordial e transcendente. acelero. a meu lado, jimmy dean, de cigarro no canto da boca, chapéu de cowboy descaído sobre os olhos e postura negligente, olha-me de soslaio. jimmy e eu partilhamos o silêncio dos interditos. pouco falamos. ele viaja na indiferença do labirinto do mito, eu na contingência do labirinto do ser. pela tarde dentro, de quando em vez, vislumbro pelo espelho retrovisor fragmentos de cenas afiadas como um bailado de navalhas de ponta e mola. é uma imagem recorrente, tal como a do navio, agora longe, navegando a lenta declinação das águas, lá onde sobra o fio da música do ocaso e a bruma processa a metamorfose da memória em esquecimento. os faróis varrem a noite, vertigem de um feixe de luz intenso, clarão de cometa errante. olho a estrada. mal consigo vê-la. penso na razão, ou falta dela, de algumas coisas me serem o que são nunca o sendo ou quase nunca. desprendido na insolência do seu destino fatal, jimmy dean esboça o enigma de um sorriso. travo a fundo. faz-se negro. acordo em sobressalto. temo o primeiro confronto com o espelho como se diante dele pudesse confirmar-se um estado febril ou, por excesso, o fio da lâmina do tempo. com a barba por fazer, o rosto em desalinho, deixo a água do chuveiro escorrer abundante pelo corpo. mergulho num longo plano sequência. não tarda voltarei a sair pela porta lateral de um hotel de circunstância.
terça-feira, 30 de agosto de 2011
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
em viagem, sobre o lado esquerdo
sobre o lado esquerdo o silêncio prossegue sua longa viagem de sal e espuma, de sol e penumbra, rente ao limiar do enigma que é murmúrio de fonte ou sopro de algas, sulco do rosto ou cicatriz do tempo. sobre o lado esquerdo há um lugar secreto, a noite irrevogável de uma poeira de estrelas, uma mão precária de luar fulgente, a areia fina que foge por entre os dedos da vertigem do azul intenso. sobre o lado esquerdo respira o sinuoso traço da memória, o eco da erosão da pedra, o cristal puro da água, o tigre vigilante do mistério do anoitecer na sua irredutível condição de ser tendo sido e, de novo, ser. sob a luz vertical da manhã, entre o descampado da ausência e o sortilégio da pele, nesse instante de tudo ser nada e de nada ser tudo, súbito bate descompassado o relógio dos passos, tanto quanto um mar de espanto ou uma flor do vento, um alvoroço de pássaros ou um coração ardente, sobre o lado esquerdo.
domingo, 28 de agosto de 2011
em witebsk, sabendo amar por inteiro
em viagem, pelo signo de assim ser
em viagem, na viagem de outro corpo
a tua língua lenta nos lábios húmidos da minha fenda voa súbito até à
agonia da minha boca e vagarosa como a saliva encontra os meus seios
impacientes do despudor das tuas mãos, duros de serem presa dos teus
dentes, ó sentir-me assim prestes abusada no veludo da pele, ceder
ao toque dos teus dedos, sucumbir à tormenta dos teus flancos, ouve,
quero soltar-me no grito obsceno da garganta, quero ser festim do teu
corpo a prumo na gruta que doendo rompe a penumbra do meu ser,
ó, sim, dá-me a claridade dos sentidos como se a luz incandescente
de um cometa rasgasse a brancura dos lençóis e me fizesse fêmea
contigo no galope da cama, exultante do estertor do teu relâmpago,
inteira de saber-me na alma fulgor do teu banquete .