sábado, 24 de setembro de 2011

em viagem, diante do mar




Faz calor. Caminho como se a luz do dia, indiferente à volta dos passos, mergulhasse a prumo no horizonte dos meus dias. Respiro nas dunas o murmúrio do vento, memórias de um rosto de marinheiro tão atento aos desafios e mistérios do mar. Sob o sol de azul intenso, uma gaivota. E uma casa desabitada de paredes brancas, corroída pelo sal do tempo, que um dia foi minha. Aí nasci de mãos errantes, de um rumor de lua nova, sob o imponderável signo de perder-me, talvez, felino de mim mesmo. Aí soube das águas do rio ainda os dedos tocavam estrelas em florestas densas de pássaros cumprindo noites de insónia e dias felizes. Aí aprendi o côncavo dos seios e o convexo do sexo como quem no corpo declina a palavra maravilha. Sendo muitos, tive por companhia o medo sombrio da loucura, a loucura luminosa da paixão, a paixão indomável da procura, a procura sonhada dos meus sonhos. Agora, estou só, diante do mar. Caminho ainda. Pode o calor atenuar a erosão da pele, iludir o declínio do rosto e ocultar o abandono das mãos, mas já o crepúsculo cai sobre a casa dos meus dias, e a gaivota, ferida de azul, alonga o seu voo na distância e o silencioso tigre no seu labirinto, pondera: em breve mal distinguirei as silhuetas do amor e da morte. Assim é o tempo, absoluto e final.

1 comentário:

  1. Francisco Calado Abrunhosa27 de setembro de 2011 às 05:58

    Ai, como a noção de eternidade, que até há pouco nos animava - lembras-te? - se esvai, à medida que os espelhos se avariaram, todos, recusando-se a mostrar-nos como nos pensamos! Contudo, apesar dos sussurros de lua-meia, punhamos as lunetas aguçando o olhar, já sábio, e os dedos experientes para distinguir as sombras, prolongando em calmo encontro a descoberta dos côncavos e convexos que nos procurem para conjugar o verbo maravilhar. O crepúsculo pode esperar.

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