leva-me
para a aurora
leva-me pela mão ao mundo dos teus sonhos, deixa-me mergulhar na água limpa dos teus olhos, abraça-me como se nesse abraço coubesse a maravilha do princípio do mundo e quando a noite chegar guarda a chuva de estrelas que deixo no teu coração de menina e lembra-te do amor dos dedos do teu pai na suave seda teus cabelos.
jorge campos
é tão tarde
há um vento gélido,
uma árvore sem rumo,
um gato
escondido de olhos acesos,
uma pálida lua suspensa da névoa do texto.
e a noite
avança
como se alguém por mim soletrasse a palavra inverno
e nela o espelho do
tempo
me devolvesse a imagem de quem sou.
ou serei eu, afinal, o espelho, ele
mesmo?
é tão tarde.
jorge campos
vou e vejo
vou e vejo as folhas das árvores
que caem sem remorso
na mudança de estação.
vejo uma gota de chuva
como se fosse a nascente do rio
onde agora em silêncio me renovo
em paz. que o outono vos seja grato,
tal como para comigo é,
e vos traga o segredo de amar os sulcos
do rosto sem temor,
nuvem
ou sobressalto.
jorge campos
anoitecer e alvorada
ouve, presta atenção.
do dia que hoje foi resta só
uma derradeira brisa, um rasto de luz
habitado pelo insondável desígnio do tempo.
não te inquietes. deixa a noite anoitecer
na linha do horizonte.
em breve estarás noutro lugar
e verás nessa réstea de luz
os lugares da memória onde foste feliz
de tanto seres muitos e ninguém.
agora, escuta o silêncio.
ele dir-te-á do rumo dos teus passos, do rumor
das tuas mãos, de um outro de ti mesmo
que te espera no sereno
despertar da alvorada.
jorge campos
viagem e nostalgia
fustigado pela desordem do silêncio
olho no espelho um rosto de sombras e veredas.
fita-me nos olhos, ele.
o tempo não pede licença.
que assim seja:
ouço o eco do crepitar da lenha no rumor
de um bosque longínquo
onde o corpo é casa e a casa abre os braços
como dádiva de pão, água, mel e cama.
hoje serei, talvez, outono.
amanhã, de novo
viajante.
viajante.
jorge campos
em viagem, pelo signo de assim ser
em viagem, na viagem de outro corpo