segunda-feira, 29 de agosto de 2011

em viagem, sobre o lado esquerdo





sobre o lado esquerdo o silêncio prossegue sua longa viagem de sal e espuma, de sol e penumbra, rente ao limiar do enigma que é murmúrio de fonte ou sopro de algas, sulco do rosto ou cicatriz do tempo. sobre o lado esquerdo há um lugar secreto, a noite irrevogável de uma poeira de estrelas, uma mão precária de luar fulgente, a areia fina que foge por entre os dedos da vertigem do azul intenso. sobre o lado esquerdo respira o sinuoso traço da memória, o eco da erosão da pedra, o cristal puro da água, o tigre vigilante do mistério do anoitecer na sua irredutível condição de ser tendo sido e, de novo, ser. sob a luz vertical da manhã, entre o descampado da ausência e o sortilégio da pele, nesse instante de tudo ser nada e de nada ser tudo, súbito bate descompassado o relógio dos passos, tanto quanto um mar de espanto ou uma flor do vento, um alvoroço de pássaros ou um coração ardente, sobre o lado esquerdo.



2 comentários:

  1. Li muito em diagonal, estou com pouco tempo o que é uma afronta, não se pode vir aqui sem tempo: Adorei o "perfume" , poderei assim dizer. Um abraço, quem sou eu para tal mas PARABÉNS! EXCELENTE!

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  2. Texto extraordinário. Poéticamente correcto. Harmonioso no som das palavras, tocante nas ideias. O crepúsculo é a minha hora, a hora em que o tumulto e a inquietação se esbatem, aquele momento só meu, quase de felicidade plena, quase a acreditar que será nesse espaço em que o tempo pára, que o meu tempo também um dia vai parar. Ao crepúsculo. Gostei da imagem; penso que é da autoria do Magritte (?).

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